Vítor Chaves Siqueira Duarte


Advogado, Sócio do escritório TOLEDO, DUARTE E SIQUEIRA ADVOGADOS, Pós graduado em Direito Civil e Processo pela UCAM, especialista em Direito Bancário pela FGV, especialista em Direito Agrário pela ESA/GO, Membro da Comissão da Advocacia Jovem - OAB/GO, contato - vitor@tds.adv.br.


FINALIDADES DO VALOR DA CAUSA – por Vítor Chaves Siqueira Duarte

Posted by VÍTOR CHAVES SIQUEIRA DUARTE | Posted on 19:04

O instituto do valor da causa é de grande relevância para o Direito Processual Civil Brasileiro, mesmo assim, não tem sido dispensada, pela doutrina, toda a atenção necessária a elucidar os questionamentos advindos da enorme gama de interferência que este instituto pode implicar no curso da demanda.

Não é sem razão que o legislador obriga a atribuição de valor à demanda, no artigo 258 do Código de Processo Civil, pois este instituto é de grande importância no curso correto do processo, vez que permite impor diversas variáveis no andamento da lide.

O tema influi em vários aspectos do processo civil, segundo Humberto Theodoro Júnior afirma:

O valor da causa pode ter reflexos sobre a competência, segundo as leis de organização judiciária, e influi ainda sobre o rito do processo de conhecimento que, em função dele, pode ser ordinário ou sumário. Também em inventários e partilhas o valor da causa influi sobre a adoção do rito de arrolamento. Costuma ainda o valor da causa servir de base para arbitramento dos honorários advocatícios, na sentença em que há condenação de parte vencida. É sobre esse valor que as leis estaduais costumam cobrar a taxa judiciária e estipular as custas devidas aos serventuários da justiça que funcionam no processo.

O autor traz algumas das implicações em que o instituto interfere no curso do processo, demonstrando a utilidade e importância da atribuição ao valor da causa.

É clara a influência do instituto em discussão na competência, conforme disposto no artigo 91 do CPC: “Regem a competência em razão do valor e da matéria as normas de organização judiciária, ressalvados os casos expressos neste Código”.

Em regra, a competência é determinada em razão do valor da causa e da matéria, ressalvados os casos excepcionais. Esta é a diretriz legal disposta no artigo 91 do CPC, que deve ser lido em conjunto com o artigo 111 do CPC, para fins de modificação de competência. Para efetivação da distribuição de competência em função do valor da causa, o Código remete às leis de organização judiciária a disciplina da matéria.

Os Juizados Especiais Cíveis, na Justiça Estadual, tem competência para julgar ações de competência Estadual de até 40 (quarenta) salários mínimos, inclusive ações possessórias compreendidas dentro desse valor, de acordo com o artigo 3° da Lei n° 9.099/95. É importante ressaltar que, as ações enunciadas no artigo 275, II, do CPC, bem assim aquelas de despejo para uso próprio, independentemente do valor da causa, podem ser ajuizadas perante os Juizados Especiais. Destaca-se, porém, o caráter facultativo, pois o autor poderá optar entre a Justiça Comum e a Especial. Atualmente há discussões acerca de proposta de alteração legislativa para tornar obrigatório o ajuizamento de ações com baixo valor perante os Juizados Especiais.

Os Juizados Federais, de acordo com o disposto no artigo 3° da Lei 10.259/01, têm a competência para processar ações da Justiça Federal que compreende até 60 (sessenta) salários mínimos. Frise-se que sua competência é absoluta.

Os foros regionais, como o que existe em São Paulo na Comarca da capital, têm competência determinada em razão da matéria e valor da causa. No caso específico de São Paulo, de acordo com a última alteração, ocorrida em 2001, os foros regionais têm competência para as causas de natureza cível e comercial até o valor de 500 (quinhentos) salários mínimos.

Importa ressaltar o entendimento de Antônio Carlos Marcato:

A competência em razão do valor, em princípio, é relativa, à luz do CPC, artigos 102 e 111. Entretanto, nos dois casos em que a lei determina a competência levando em consideração o valor da causa (juizados especiais federais e foros regionais) ela é absoluta. Podemos afirmar, por conseguinte, que há competência em razão do valor da causa funcional, assim como há competência territorial funcional, sendo as duas absolutas”. (MARCATO, 2005, p. 250).

Em âmbito Estadual, por força da Lei Complementar nº 35/79, Lei Orgânica da Magistratura, está autorizada a investidura de juízes togados com competência para julgamento de causas de “pequeno valor” que não sejam da competência exclusiva de juiz de direito. (grifo nosso)

Assim se explica a regra do artigo 92 do CPC. Evidentemente, ao dispor que compete exclusivamente ao juiz de direito processar e julgar o processo de insolvência e as ações concernentes ao estado e à capacidade da pessoa, o Código prevê a existência de juízes outros, não só os de direito, reservando a estes últimos, independentemente do valor atribuído à causa, a competência para processar e julgar aqueles processos.

Importa destacar, também, que por força do artigo 275, I, do CPC, com redação dada pela Lei nº 10.444/02, nas causas, cujo valor não exceder 60 (sessenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País, observar-se-á o procedimento sumário. Dentre as regras estabelecidas para tal procedimento, aquela que não admite reconvenção é uma das mais importantes. Daí, conforme o valor atribuído à causa, o réu terá ou não oportunidade de, no mesmo processo, atacar o autor.

Em sede de competência recursal, nos Estados, por força do artigo 125, §1º, da Constituição, é possível a criação de Tribunais de Alçada, com competência definida pelas respectivas constituições estaduais, disciplinados por lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça do Estado. Porém, observa-se que, nas respectivas constituições estaduais, a competência dos Tribunais de Alçada não se dá em face do valor atribuído à causa, com exceção do Estado do Paraná, que por força do artigo 103, III, letra “f”, de sua Constituição Estadual, é o único que atribui competência ao Tribunal de Alçada em face do valor atribuído à causa.

Interessante ressaltar o caso do Estado do Rio Grande do Sul, cujo Tribunal de Alçada foi incorporado ao Tribunal de Justiça através da Emenda Constitucional nº 22/97. Até então, a competência atribuída àquele tribunal não tinha como premissa o valor da causa, tanto que, no artigo 97 da Constituição Estadual, estava disposto que as ações de procedimento sumaríssimo em razão da matéria seriam julgadas pelo Tribunal de Alçada. Ocorria o mesmo com o Estado de São Paulo, em que o artigo 79 de sua Constituição Estadual determinava a competência do Tribunal de Alçada em razão da matéria. No Estado de Minas Gerais, a competência é residual, sendo que a Constituição Estadual, em seu artigo 106, quando estabelece a competência do Tribunal de Justiça, não faz qualquer menção ao valor da causa.

O valor da causa também influi na adoção do rito de arrolamento, de acordo com o artigo 1.036 do CPC que dispõe:

Artigo 1036 - Quando o valor dos bens do espólio for igual ou inferior a 2.000 (dois mil) obrigações do Tesouro Nacional OTN, o inventário processar-se-á na forma de arrolamento, cabendo ao inventariante nomeado, independentemente da assinatura do termo de compromisso, apresentar, com suas declarações, a atribuição do valor dos bens do espólio e o plano da partilha.

Há outras repercussões do tema no processo civil, como a penalização em embargos procrastinatórios, como disposto no seguinte julgado:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCRASTINATÓRIOS. MULTA.

Caso em que não há omissão, contradição ou obscuridade alguma a ser sanada. Tanto assim que, a rigor, o embargante nem alegou isso. O que ele alegou, em verdade, foi a discordância com a decisão da Corte, sob a nomenclatura e alegação de omissão, contradição e/ou obscuridade, pois a decisão estaria em desconformidade com o que ele entende ser a melhor decisão.

Na verdade, o que se vê é que a parte embargante não se conformou com a análise que a Corte fez da prova e nem com as conclusões referidas pelo acórdão embargado. Mas os embargos de declaração não se prestam para buscar a reforma substancial do que foi decidido.

Por isso, os presentes embargos são infundados e procrastinatórios. Isso enseja a condenação da parte embargante ao pagamento de multa em prol da parte embargada.

NÃO CONHECERAM. CONDENARAM A PARTE EMBARGANTE AO PAGAMENTO DE MULTA.

(Embargos de Declaração Nº 70027482082, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 04/12/2008)

Também há outras implicações, como a fixação da indenização por litigância de má-fé e o depósito em garantia da ação rescisória, que são calculadas com percentual do valor da causa e que, segundo João Roberto Parizzatto, serve de base para a fixação de honorários periciais.

O Código de Processo Civil adota o valor atribuído à causa como parâmetro para aplicação de multas processuais. Exemplo disso são os artigos 557, parágrafo segundo, e 14, parágrafo único, ambos do CPC.

Ademais, a sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando se verificar qualquer das hipóteses previstas no artigo 485 do CPC. Todavia, o autor, além de apresentar petição inicial com observância dos requisitos essenciais do artigo 282, também deverá proceder no depósito da importância de 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa, a título de multa, caso a ação seja declarada, por unanimidade de votos, inadmissível ou improcedente, nos termos do artigo 488, II, do CPC. A ausência de depósito leva ao indeferimento da inicial, com fulcro no artigo 490 do CPC.

Outra interferência importante do instituto, no curso do processo, é a referência para arbitramento de honorários advocatícios, conforme artigo 20 do CPC.

Importante ressaltar que o valor arbitrado a título de honorários advocatícios podem ultrapassar o valor da causa, quando estes forem aviltantes para a dignidade do profissional.

Luis Rodrigues Wambier acrescenta que “[...] como já ocorre com o micro-sistema dos Juizados Especiais, há uma tendência legislativa no sentido de se restringir a amplitude recursal para causas de valores menores”. (WAMBIER, 2005, p. 66).

A cobrança de taxas e custas judiciais é disciplinada pelos regimentos estaduais, que adotam, invariavelmente, o valor da causa como parâmetro para recolhimento dos encargos, o que será detalhado no próximo capítulo.

Algumas das implicações acerca do valor da causa, demonstradas neste trabalho, têm como principal interessado o Estado, constituindo-se assim em matéria de ordem pública, vez que combate a idéia de que ao magistrado não resta outra opção a não ser anuir com o livre arbítrio do Autor, na falta de impugnação pelo Réu.

Data vênia esse entendimento encontra-se ultrapassado diante do fato de haver uma mobilização em torno da celeridade processual, combatendo a morosidade que se instalou na Justiça brasileira. Esse esforço dos três poderes, Judiciário, Executivo e Legislativo, tem dado alguns passos, com as várias Leis aprovadas em 2005 e 2006, porém ainda é muito pouco diante da longa caminhada que há pela frente.

É necessária a diminuição de demandas desnecessárias tramitando na Justiça, para o Poder alcançar o ideal de funcionamento, qual seja, a efetiva prestação jurisdicional, em tempo razoável, capaz de assegurar a dignidade do cidadão.

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