Vítor Chaves Siqueira Duarte


Advogado, Sócio do escritório TOLEDO, DUARTE E SIQUEIRA ADVOGADOS, Pós graduado em Direito Civil e Processo pela UCAM, especialista em Direito Bancário pela FGV, especialista em Direito Agrário pela ESA/GO, Membro da Comissão da Advocacia Jovem - OAB/GO, contato - vitor@tds.adv.br.


Execução por título extrajudicial. Penhora on-line de salário. Possibilidade.

Posted by VÍTOR CHAVES SIQUEIRA DUARTE | Posted in | Posted on 01:55

Tribunal de Justiça do Mato Grosso – TJMT - QUINTA CÂMARA CÍVEL
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 109046/2009 - CLASSE CNJ - 202 - COMARCA CAPITAL
AGRAVANTES: MARCONDES COSTA MARQUES E OUTRO(s)
AGRAVADA: CAMPOS & COMPANHIA LTDA.

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL - PENHORA ON-LINE - POSSIBILIDADE - LIMITE DE TRINTA POR CENTO - RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO - DECISÃO MANTIDA.
Tanto o texto constitucional quanto o processual vedam a retenção de salários, pois é através desses que os trabalhadores se mantêm e sustentam suas respectivas famílias, quitando seus compromissos cotidianos. O artigo que veda a penhora sobre os salários, saldos e proventos devem ser interpretados levando-se em consideração as outras regras processuais civis. Serão respeitados os princípios da própria execução, entre eles o de que os bens do devedor serão revertidos em favor do credor, a fim de pagar os débitos assumidos. A penhora de apenas uma porcentagem da verba de natureza alimentar não fere o espírito do artigo 649 do Código de Processo Civil.

R E L A T Ó R I O
EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE MORAES FILHO
Egrégia Câmara:
Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto por Marcondes Costa Marques e outra, em que ataca decisão de primeiro grau de jurisdição de lavra da conspícua magistrada Doutora EDLEUZA ZORGETTI MONTEIRO DA SILVA na execução que lhe promove o agravado, onde a magistrada de piso após requerimento dos agravantes desconstitui em parte a penhora online realizada nas contas bancárias dos mesmos, por entender tratar-se de valores advindos dos vencimentos das partes agravantes, determinando que a penhora recaia tão somente em 30% (trinta por cento) dos valores bloqueados.
Em suas razões, a parte agravante discorre acerca da impenhorabilidade de salário, prevista no artigo 649, inciso IV do CPC, dada a sua natureza alimentar.
Ao final, pugna pela concessão do efeito suspensivo, bem como pelo conhecimento e provimento do agravo de instrumento aviado, para fins de reforma da decisão hostilizada.
O efeito suspensivo pretendido foi indeferido (fls. 44/47).
As contrarrazões vieram às fls. 56/58, destacando o acerto da decisão.
As informações foram prestadas às fls. 83.
É o relatório.

V O T O
EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE MORAES FILHO (RELATOR)
Egrégia Câmara:
Como dito, trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto por Marcondes Costa Marques e outra, em que ataca decisão de primeiro grau de jurisdição de lavra da conspícua magistrada Doutora EDLEUZA ZORGETTI MONTEIRO DA SILVA na execução que lhe promove o agravado, onde a magistrada de piso após requerimento dos agravantes desconstitui em parte a penhora online realizada nas contas bancárias dos mesmos, por entender tratar-se de valores advindos dos vencimentos das partes agravantes, determinando que a penhora recaia tão somente em 30% (trinta por cento) dos valores bloqueados.
Em suas razões, a parte agravante discorre acerca da impenhorabilidade de salário, prevista no artigo 649, inciso IV do CPC, dada a sua natureza alimentar.
A agravada alega que o agravante não logrou êxito em comprovar a natureza eminentemente salarial dos valores encontrados em sua conta corrente, e ainda sustenta que esta não configura conta salário.
A instituição agravada ajuizou ação de execução em face da parte recorrente, onde os executados devidamente citados não efetuaram o pagamento, pelo que requereu o bloqueio de eventuais valores existentes em conta corrente de titularidade do devedor, o que foi deferido pelo juízo.
Diante de tal medida, a parte agravante manifestou-se no sentido de comprovar a impenhorabilidade dos valores bloqueados em sua conta corrente, uma vez que provenientes de seu labor, percebidos como contraprestação salarial e revertidos para o seu sustento e de sua família.
É certo que o demonstrativo de conta corrente à fls. 38/40-TJ, não indica expressamente tratar-se de conta salário. Entretanto, a proteção legal não exige que a conta possua tal caracterização, pois a real intenção é garantir a impenhorabilidade dos rendimentos salariais, independentemente de onde estes se localizem - se em conta salário, conta corrente, ou mesmo em espécie. Isso porque a impenhorabilidade recai sobre os salários percebidos pelo devedor, e não sobre a conta em si.
Decerto que tanto o texto constitucional quanto o processual vedam a retenção de salários, pois é através desses que os trabalhadores se mantêm e sustentam suas respectivas famílias, quitando seus compromissos cotidianos.
Todavia, após detida análise da matéria, verifica-se que a penhora de apenas uma porcentagem da verba de natureza alimentar não fere o espírito do artigo 649 do Código de Processo Civil.
O artigo que veda a penhora sobre os salários, saldos e proventos devem ser interpretados levando-se em consideração as outras regras processuais civis e serão respeitados os princípios da própria execução, entre eles, o de que os bens do devedor serão revertidos em favor do credor, a fim de pagar os débitos assumidos.
Isso porque as verbas de natureza alimentar são livremente negociáveis, disponíveis.
A título exemplificativo cita-se a consignação em folha de pagamento, prática cada vez mais comum entre servidores públicos, em que se destina previamente parte do salário para o pagamento de determinadas dívidas.
As recentes alterações ocorridas no Código de Processo Civil trouxeram a inclusão do art. 655-A, que assim dispõe:
"Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade até o valor indicado na execução."
A chamada "penhora on-line" configura, portanto, um grande avanço no sentido da maior efetividade da atividade executiva, até mesmo para garantir a observação da ordem de bens que podem ser penhorados, conforme artigo 655 do Código de Processo Civil, que elenca como prioritária a penhora de dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira, vejamos:
"Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:
I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira."
Dessa forma, é medida justa a penhora limitada ao percentual equivalente a 30% (trinta por cento) dos valores líquidos percebidos pelo agravante, de forma mensal, até a integral quitação do débito exeqüendo.
Sobre o assunto, já se manifestou recentemente o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, quando do julgamento do agravo de instrumento nº 1.0024.97.084401-5/001, de relatoria do Desembargador Mota e Silva:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIREITO PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO - PENHORA ON LINE - CONTA BANCÁRIA - DEPÓSITO DE PRO LABORE - IMPENHORABILIDADE - LIMITE DE 30%. A parte Executada deve responder por seus débitos sem, no entanto, comprometer o seu sustento e de sua família. Legítima a penhora sobre 30% do valor depositado em conta bancária onde a parte recebe pró-labore V.v.p. A impenhorabilidade prevista no art. 649, inciso IV do CPC, abrange tão somente o salário pago mensalmente ao devedor destinado ao seu sustento e da sua família, e não as riquezas acumuladas por ele durante o tempo de trabalho. O limite de 30% sobre o salário do devedor deve ser mantido sobre os futuros depósitos mensais, no caso do valor bloqueado ser insuficiente para o pagamento do crédito exeqüendo.
Assim, vejo que o bloqueio e a penhora do valor depositado em conta bancária, onde é depositado valor destinado ao sustento da parte e de sua família, impõe subtração de importância direcionada ao sustento da parte Agravante e de sua família, o que implica ofensa ao princípio da impenhorabilidade.
Contudo, por outro lado, a parte está sendo executada e não pode deixar de pagar o que deve simplesmente porque o que recebe pelo seu trabalho é destinado a satisfazer as necessidades pessoais e da família, pois se assim fosse, nenhuma dívida seria paga com salário. E seria paga com valores advindos de onde?
Justifica-se este posicionamento em virtude da edição da Lei 10820/03, que autoriza o desconto em folha de pagamento dos valores referentes a empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituição financeira a empregados regidos pela CLT, quando previsto no respectivo contrato.
Estabelece esta lei que os empregados podem autorizar o desconto em folha de pagamento dos valores referentes a empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil (art. 1º). O desconto pode, inclusive, incidir sobre verbas rescisórias, desde que limitado a 30% (par. 1º do mesmo artigo).
Nesse sentido, já decidiu o colendo TJDF:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. MÚTUO BANCÁRIO. DESCONTO EM CONTA CORRENTE. 30% DO VENCIMENTO LÍQUIDO. Não há nulidade na cláusula que permite o desconto em conta corrente para adimplemento de mútuo bancário. Se a conta corrente foi aberta somente para recebimento dos vencimentos, é de se limitar os descontos a 30% do vencimento líquido mensalmente depositado". (AGI 2003002009363-9, Relator: Desembargador SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS)
"Isso só não seria possível se a quantia fosse equivalente ao total dos vencimentos do devedor, de forma a impedir o sustento do devedor e de sua família" (EIC n. 1998011060170-0, Relator designado Desembargadora HAYDEVALDA SAMPAIO).
No mesmo sentido decidiu o TJMG:
"Data do Julgamento: 11/03/2008
Data da Publicação: 12/04/2008
EMENTA: EXECUÇÃO - PENHORA DE VALORES PROVENIENTES DE BENEFÍCIO DE NATUREZA ALIMENTAR - POSSIBILIDADE - LIMITE DE 30%.Tanto o texto constitucional quanto o processual vedam a retenção de salários, pois é através desses que os trabalhadores se mantêm e sustentam suas respectivas famílias, quitando seus compromissos cotidianos. O artigo que veda a penhora sobre os salários, soldos e proventos deve ser interpretado levando-se em consideração as outras regras processuais civis. Serão respeitados os princípios da própria execução, entre eles o de que os bens do devedor serão revertidos em favor do credor, a fim de pagar os débitos assumidos. A penhora de apenas uma porcentagem da verba de natureza alimentar não fere o espírito do artigo 649 do Código de Processo Civil." (AGRAVO N° 1.0016.98.006446-9/001 - COMARCA DE ALFENAS - AGRAVANTE(S): JOSÉ LUIZ DE SOUZA BRUZADELLI - AGRAVADO(A)(S): FINANCEIRA BEMGE S/A - RELATOR: EXMO. SR. DES. JOSÉ ANTÔNIO BRAGA )
"AGRAVO DE INSTRUMENTO - DESCONTO DE EMPRÉSTIMO BANCÁRIO EM CONTA CORRENTE - PERCENTUAL FIXADO 30% - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. A fixação da limitação do desconto de empréstimo bancário em conta corrente ao percentual de 30%, resulta da concretização em se alcançar a justiça, uma vez que ao mesmo tempo que não nega o direito de ser realizado o desconto, não inviabiliza ao devedor o poder de arcar com sua própria subsistência." (TJMG, 13ª Câmara Cível, Ag Inst 0472937-9, rel. Des. Hilda Teixeira da Costa, julgado em 16.12.2004)
"CAUTELAR. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. PARCELAS. DESCONTO. CONTA CORRENTE. RAZOABILIDADE. Não obstante a legalidade da cláusula que prevê a cobrança do pagamento por meio de desconto na conta corrente da agravada, mister se faz a limitação do débito ao percentual de 30% da remuneração ali depositada, sob pena de se inviabilizar a sua sobrevivência, o que atentaria contra o princípio da dignidade da pessoa humana." (TJMG, 14ª Câmara Cível, Ag Inst 0493471-6, rel. Des. Renato Martins Jacob, julgado em 19.05.2005)
Quer me parecer que a solução justa e que atende à eqüidade contratual e os princípios fundamentais do sistema jurídico brasileiro está em limitar o comprometimento da verba salarial a patamar razoável."
Assim também decidiu este TJMT:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR SOLVENTE - PENHORA ON- LINE - CABIMENTO - RECURSO PROVIDO.
Desde a regulamentação da utilização da penhora on-line pela Corregedoria-Geral de Justiça do Estado, não se justificam as resistências à aplicação, já que se trata de forma de efetivação da constrição. Afinal, segundo o artigo 655, inciso I, do Código de Processo Civil, a ordem de preferência para a nomeação de bens à penhora é encabeçada pelo dinheiro. (TJMT, 2ª Câmara Cível, Ag. Inst. 43112/2009, Relatora Des. Maria Helena Gargaglione Povoas)
A decisão monocrática está em perfeita sintonia com o ordenamento jurídico pátrio e deverá ser ratificada em sua integralidade.
Com tais considerações, conheço do recurso, porém nego-lhe seguimento, mantendo-se inalterada a decisão combatida.
É como voto.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. SEBASTIÃO DE MORAES FILHO (Relator), DES. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA (1º Vogal) e DR. JOSÉ M. BIANCHINI FERNANDES (2º Vogal convocado), proferiu a seguinte decisão: RECURSO IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.
Cuiabá, 18 de novembro de 2009.
DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA - PRESIDENTE DA QUINTA CÂMARA CÍVEL EM SUBSTITUIÇÃO LEGAL
DESEMBARGADOR SEBASTIÃO DE MORAES FILHO - RELATOR

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